As aventuras de Pi: um olhar sobre a fé

Indicado ao Oscar 2013 de melhor filme, As Aventuras de Pi, filme do diretor Ang Lee traz uma reflexão profunda sobre fé e a relação com o sagrado.

Os pôsteres e trailers indicam uma história de aventura repleta de efeitos primorosos e um slogan instigante: "Acredite no inacreditável". Foi assim que a adaptação para as telonas do livro "Life Of Pi" do canadense Yann Martel, por sua vez baseado em "Max e os felinos" do escritor brasileiro Moacir Sclair, chegou aos cinemas e cativou um público há algum tempo acostumado com grandes espetáculos visuais, mas o fez pela emoção.

O filme acompanha, em flashbacks, a história da vida do indiano Piscine Molitor. Pai de família, Piscine, ou simplesmente Pi, narra sua história para um escritor interessado em escrever um livro sobre ele. O caçula de uma família hindi que vive de seu zoológico passa a infância impulsionado a compreender o mundo ao seu redor, buscando pelo menos três experiências religiosas nesta empreitada. Na cena em que Pi cumpre o desafio de beber água benta da igreja católica, o padre o surpreende com um copo d'água saudando-o com a frase: "Está sedento?" - detalhe importante para o desenrolar da história.

Sedento era o nome original do tigre do zoo do pai de Pi, que por um engano acabou ficando conhecido como Richard Parker - animal que Pi tenta alimentar mas é impedido por seu pai, alegando que os animais são perigosos e não têm alma. Contudo, após um naufrágio que vitimaria sua família e os animais do zoológico, seria justamente Richard Parker a última companhia de Pi nos 227 dias que a dupla passa em alto mar, em um bote salva-vidas.

A relação de Pi com Richard Parker vai se desenrolando em momentos líricos de tensão entre o perigo e a amizade. Mesmo correndo o risco de ser devorado pela fera, Pi  aprende que precisa conviver com Richard Parker para não ser abandonado à completa solidão.

Mar e céu se confundem em muitas das cenas do filme, culminando na tempestade que se abate sobre o garoto e o tigre. Na cena fortíssima, Pi brada aos céus acreditando ser a tempestade uma forma de Deus se manifestar, força Richard Parker a sair de seu esconderijo e vislumbrar o fenômeno, mas o tigre acaba se assustando com a tempestade, levando Pi ao desespero.

Sem entregar o enredo do filme, o que se segue é uma sequência de eventos que aproximam os sobreviventes, sobretudo diante do perigo de uma ilha acolhedora e pacífica de dia, porém carnívora à noite. Assim como a ilha, a personalidade perigosa ou amiga de Richard Parker, o deus que traz esperança e causa temor, a companhia do tigre e sua partida sem cerimônia alguma abandonando Pi na praia; tudo ou grande parte dos elementos inseridos na história representam uma dicotomia importante para o entendimento da história.

Nos minutos finais do filme, estamos convencidos de que "Acreditar no inacreditável" é uma boa forma de chamar a atenção para a fábula cheia de significados do filme, quando, finalmente resgatado e diante da incredulidade dos membros da equipe de investigação ao naufrágio pela história narrada, o garoto reconta toda a história, "sem nada que vocês nunca tenham visto antes". Sem flashbacks, a nova versão da história nos faz entender que os acontecimentos entre Pi e Richard Parker representam uma realidade bem mais convincente, porém cruel e dolorosa - genialmente apresentada em uma cena densa, fixa no rosto de Pi no hospital, lívido.

De volta à conversa entre o Pi adulto e o escritor, percebemos que o interlocutor acaba fazendo às vezes do público ao tomar conhecimento das duas versões da história. Pi oferece então ao escritor - e consequentemente ao público, a oportunidade de, como ele fez, contar a mesma história, narrar a mesma realidade. A versão que escolheremos para construir essa realidade, contudo, é a que nos parecer mais adequada, mais verossímil, mais cruel ou mais bonita: todas são reais. "O mesmo vale para Deus", conclui Pi.




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